Entrevista (UITA): O papel da Feraesp no Brasil sem rumo.

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O papel da FERAESP no Brasil sem rumo.

Mais inclusão, organização, democracia e transparência

Ele foi eleito Secretário de Finanças e Administração no último Congresso da Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São Paulo (FERAESP), realizada em março último. Aos 12 anos começou a trabalhar nos canaviais com seu pai e aos 15 anos teve seu primeiro registro como um trabalhador rural. Há 20 anos milita ativamente no campo sindical. Nesta entrevista ele fala sobre mudanças no agronegócio, padrões de trabalho, relações partido-sindicato e o restabelecimento da federação numa nova base.

Eles mudaram as condições de trabalho no setor da cana?

Quando eu comecei, as condições eram muito pobres. Não tínhamos o mínimo, muito menos botas de trabalho, retirávamos botas descartadas no lixo dos frigoríficos, não tínhamos garrafas térmicas para trazer algo para beber e tivemos de comprar as ferramentas para cortar cana .

Então, pela ação dos sindicatos as condições tinham melhorado, especialmente em áreas como a saúde e segurança. Mas nos últimos anos vemos  um novo revés, o retorno à insegurança em algumas partes do processo, porque a exploração continua e encontra novas maneiras de massacrar as pessoas.

As empresas  e governos faz algum tempo aplaudem  a implantação de maquinarias, e escutamos múltiplos argumentos a favor do trabalho decente. Agora os trabalhadores descem das máquinas com o corpo quebrado.

Como eu disse, a exploração é a mesma, se você está cortando com um facão ou em uma máquina. A intensidade do trabalho não mudou. O que acontece é que antes as lesões que sofriam os cortadores de cana tinham mais visibilidade.

Isso não significa que não haja acidentes; existem porque o ritmo de trabalho continua e as metas que a indústria impõe são massacrantes.

Pressão insuportável

Se um trabalhador não atingir a meta todos perdem.

A Dra. Maria Maeno culpa o baixo piso salarial pela deterioração da saúde e aumento de acidentes sofridos por trabalhadores…

Tem razão. Devemos alcançar diversos números e objetivos definidos pelas empresas para conseguir um salário melhor.

Essas metas, no setor da cana são aplicadas coletivamente. Se um trabalhador não cumprir essas metas, todos os trabalhadores do mesmo setor são deixados sem o pagamento.

Esta organização do trabalho ligada aos objetivos, faz com que o trabalhador não possa faltar ao emprego, mesmo que doente, porque outros colegas terão pressão extra da empresa.

E essa pressão sai das plantações e se instala na casa do trabalhador, impactando a família, porque o trabalhador chega cansado, com dor severa e grande estresse.

Retornando à mecanização, este processo foi rápido e trouxe várias consequências.

Os sindicatos não estavam preparados para ajudar esses camaradas de forma integral. O movimento dos trabalhadores rurais não fez ou não podia acompanhar o ritmo de mudança da indústria açucareira e as novas doenças profissionais que surgiam.

Este é um dos grandes desafios que estabelecemos na condução da FERAESP: acompanhar as novas problemáticas no mercado de trabalho da cana-de-açúcar.

Também existem empresas que não fizeram o processo de mecanização da plantação de cana e usam a mão de obra manual nas fazendas.

Este é o debate que FERAESP tem de enfrentar. Temos que somar ao processo de mecanização a concentração. Hoje há grandes empresas, principalmente multinacionais, que não respeitam as leis locais e não respeitam o meio ambiente nem organizações sindicais.

Um grupo econômico possui 23 usinas no país, quando você tem que negociar, exige a participação de 40 sindicatos, mas realiza as negociações com cada sindicato separadamente e não em conjunto.

Identificamos outro desafio: a luta por uma negociação nacional para todos os trabalhadores da mesma empresa.

Os desafios da FERAESP

Reorganizar os sindicatos, a prioridade.
Como se preparam para enfrentar essa nova realidade?

Devemos reposicionar a FERAESP aos trabalhadores e trabalhadoras do setor e às organizações sindicais organizadas, não só no Estado de São Paulo, mas em todo o país e no mundo, pois, o setor do agronegócio é global.

FERAESP sofreu uma mudança estrutural que eu avalio como positiva. Precisamos resgatar a nossa organização no campo, tirar o poder dos coronéis que usurparam sindicatos e voltar a ser um ponto de referência.

O corte de cana cresceu nos finais dos anos 1990, quando a FERAESP tinha apenas oito sindicatos. Em seguida, os trabalhadores canavieiros não tinham consciência da expansão do agronegócio e do seu poder, mas enfrentamos corajosamente. Devemos voltar a isso, a acreditar em nós mesmos e nos articular com outras forças.

Assumimos faz pouco tempo. Tivemos dezenas de manifestações de solidariedade e apoio como nova diretiva. Há muitos trabalhadores e trabalhadoras com grandes expectativas para esta nova etapa, cumprir com as expectativas será o nosso principal compromisso.

A FERAESP ainda está viva, apesar dos coronéis usurpadores?

Neste último ano não foi fácil. Primeiro tivemos de enfrentar o ex-presidente, Élio Neves, acusado de desviar fundos da instituição.

Repensar o projeto, encontrar maneiras de refundar a Federação são agora nossos principais objetivos.

Quando falamos de uma nova posição no nível nacional, pensamos que a FERAESP pode contribuir à Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais ( Contar ), especialmente quando se trata de migração interna dos trabalhadores.

Se no passado o Estado de São Paulo foi um destinatário do trabalho migrante, agora a migração se estende por várias outras regiões do país.

 Independência na política de classe e transparência
Princípios fundamentais
O movimento sindical perdeu credibilidade?

Confiamos muito em governos anteriores e ficamos engessados. Os trabalhadores e trabalhadoras desmotivaram-se  e perderam a confiança nos sindicatos e nos seus dirigentes, limitando o nosso impacto e ação nas manifestações.
Perdemos em todos os governos, esquerda e direita. Agora é muito mais desavergonhada  a coisa, mas a precariedade dos trabalhadores rurais é um processo que vem de antes.

Governos PT não fizeram mudanças estruturais e agora é o governo de Michel Temer que vêm para atacar-nos, principalmente atacar nossas conquistas.  Somos contra as Reformas Trabalhista e Previdenciária.

Quais erros a Feraesp não deve repetir para levar adiante seu novo projeto?

A falta de transparência foi um erro grave, e, agora, como Secretário de Finanças e Administração, trabalho para corrigir.

A ideia é de reunir o Conselho Fiscal, uma vez por mês, e não de seis em seis meses. Além de publicar o balanço financeiro no site da federação, como primeiras medidas de transparência na gestão dos recursos.

Passamos de cinco a nove cargos de direção, e de 16 para 24 os membros do conselho nesta administração, abrindo o espaço de ação para todos os camaradas.

Devemos estar orgulhosos de sermos trabalhadores rurais, não podemos esquecer as nossas origens e nesse sentido nós queremos promover uma organização para todos. Isso exigirá organizar ramos sindicais nas principais cidades do Estado.

Não podemos centralizar muito, são 655 municípios em São Paulo, o desafio é enorme, mas não impossível.

Queremos resgatar a história da FERAESP para que os jovens membros saibam como a organização foi concebida, tudo o que custou, como uma forma de valorar o passado de conquistas para enfrentar um presente de luta.

Fonte: UITA
Tradução: Juan Toro